A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a constitucionalidade da vacinação, que determinou o comportamento do mercado de trabalho e até apoiou a aplicação de regras como “passaportes de vacinação”, o início deve ser discutido em o contexto em condomínios.
A questão complicada é: é possível e legal forçar os proprietários a vacinar? Não, caso contrário, eles terão acesso limitado às áreas comuns.
O tema é controverso porque, ao mesmo tempo em que se defende o interesse da coletividade em detrimento dos interesses individuais, há quem questione uma possível interferência no direito de propriedade.
Em sua decisão, o plenário do STF definiu que a vacinação obrigatória é constitucional – ainda assim, ninguém deverá ser “forçado” a ser imunizado. Se houver uma recusa, contudo, o Estado poderá adotar medidas restritivas previstas em lei, como multas, proibição de exercer certas atividades, impedimento de frequentar determinados lugares, fazer matrícula em escolas, entre outras.
“A vacinação compulsória é justificada em síntese quando a recusa de um indivíduo coloca em risco injustificado a saúde e a vida de seu vizinho”, afirmou a ministra Rosa Weber em seu voto. Ao citar o princípio constitucional da solidariedade, a ministra Cármen Lúcia foi além: “A Constituição não garante liberdades às pessoas para que elas sejam soberanamente egoístas”.
Assim, segundo Rodrigo Karpat, especialista em direito imobiliário e sócio da Karpat Sociedade de Advogados, o STF fala expressamente na “supremacia do direito coletivo”. “Por mais que a decisão da Corte não tenha sido proferida tendo os condomínios como foco, é possível fazer essa analogia”, explica Karpat, também coordenador de Direito Condominial na Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB-SP e membro da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Nacional.
Transferindo esse entendimento para a esfera condominial, segundo o advogado, a eventual recusa à imunização poderia ensejar, por exemplo, a restrição ao uso de espaços da área comum. “Mas é fundamental que, para isso, tanto a exigência da vacinação quanto as restrições estejam regradas dentro dos instrumentos condominiais, como a convenção e o regimento interno”, afirma Karpat.
Áreas de lazer
Além disso, é importante lembrar que nem todas as áreas podem ser cerceadas ao morador, sob o risco de o condomínio desrespeitar o direito à locomoção do indivíduo. Nesse sentido, o acesso ao elevador e à garagem, por exemplo, não pode ser proibido. “Isso é incabível”, diz Caroline Neres de Brito, advogada no escritório Advocacia Correa de Castro, de Curitiba (PR), e especialista em direito imobiliário. “A restrição deve ser preferencialmente aplicada às àreas de lazer, como piscina, academia, playground e salão de jogos.”
Caroline lembra que, mesmo em relação às áreas de lazer, o ideal seria limitar o horário de uso e não proibir efetivamente. “Afinal, a fração ideal da área comum também é propriedade e isso seria facilmente objeto de discussão judicial”, afirma. Diante do risco de questionamentos a esse respeito, a advogada reforça a necessidade, caso o síndico opte pela exigência de vacinação, de convocar uma assembleia e instituir as regras por meio do regimento interno.
Agenda positiva
Antes de qualquer medida punitiva, contudo, existe um consenso sobre a necessidade de conscientização. Para a advogada Moira Toledo, diretora executiva da vice-presidência de Administração Imobiliária e Condomínios do Secovi-SP (sindicato que representa o mercado imobiliário), o ideal é que os condomínios adotem uma espécie de “agenda positiva” da vacinação, com campanhas internas (com folhetos e informativos nos quadros de avisos) que ressaltem a importância da imunização.
“Esse tipo de esforço positivo ajuda a despertar o senso de comunidade. A ideia de proteger o entorno pode ser muito mais efetiva”, diz Moira. Caso um condomínio, ainda assim, opte por exigir a vacinação, a diretora do Secovi acredita, assim como a advogada Caroline, que a eventual recusa de um morador não pode resultar na privação absoluta do uso das áreas comuns. “Poderia, por exemplo, ser estabelecido um horário específico para utilização”, sugere.
Embora a vacinação esteja avançando em todo o país, a pandemia ainda está em curso, lembra Moira. “Por isso, todas as regras sanitárias já implementadas nos condomínios, como o uso de máscaras nas áreas comuns, a disponibilização de álcool gel, o distanciamento social, entre outras, continuam sendo válidas”, afirma a advogada, que lembra que o Secovi montou um guia prático com dicas para a reabertura dos condomínios, disponível a todos no site da entidade.
Protocolos de segurança
Angélica Arbex, diretora de Marketing e Inovação da Lello Condomínios, empresa que administra mais de 3 mil empreendimentos em todo o país, concorda que o mais importante no momento é não relaxar as normas de higiene e o uso de máscaras. “O vírus ainda circula com força”, diz. No ano passado, segundo ela, a empresa criou um protocolo de biossegurança, com orientações gerais e boas práticas para a vida comum nos condomínios em tempos de covid. “O objetivo foi auxiliar na tomada de decisões com relação à flexibilização ou não das medidas de isolamento nas áreas comuns do condomínio”, explica.
A Lello também investiu R$ 160 mil na compra e distribuição de equipamentos de proteção individual para os 15 mil funcionários dos condomínios. “Outras iniciativas foram o lançamento de e-books aos síndicos para orientação da abertura gradual das áreas comuns e o estabelecimento de assembleias digitais”, afirma Angélica.
A exigência de vacinação, até agora, não foi abordada nas assembleias digitais da Lello. Mas qualquer movimento nesse sentido, segundo Angélica, deve acompanhar as diretrizes das autoridades públicas de cada município.
Funcionários
Enquanto a obrigatoriedade de imunização entre os condôminos ainda é um tema polêmico, já há entendimento sobre a exigência da vacinação dos funcionários.
Decisões recentes da Justiça têm se baseado sobretudo em um guia técnico do Ministério Público do Trabalho (MPT), criado para orientar a atuação de seus procuradores em casos que envolvam a imunização dos trabalhadores.
A recomendação é incentivar as empresas a investir em conscientização e negociar com seus funcionários, de modo que os desligamentos só ocorram em último caso. Mas o órgão adverte que a mera recusa individual e injustificada à imunização não poderá colocar em risco a saúde dos demais funcionários.
A única exceção é se houver motivo clínico para a recusa, com razões médicas documentadas. “Caso contrário, o síndico pode demitir o colaborador por justa causa”, esclarece a advogada Caroline Neres de Brito.
Via: R7